sexta-feira, 6 de março de 2009


" Cosmos "

" Imaginei. Olhei o mundo a minha volta. Fixei-me na matéria e no concreto que me cerca. Respirei o ar. Meditei. Numa virada de olhar, transpus minha imaginação da terra firme para o céu imenso. Vaguei. Fui ao encontro do infinito azul. Planei por entre estrelas e sóis. Brilhos intensos; brilhos ofuscados. Sonhei. E fui caminhando por entre esse colar de pérolas celestiais, sem a vontade do retorno. Meu corpo ia desintegrando-se a medida que afastava-me de mim mesmo, de minhas origens. Cantei. Eram melodias sem letras e sem tons, mas que os anjos cantavam com uma pureza de cristal. Cheguei. Detive-me diante de um vazio luminoso onde os homens eram almas, e os pensamentos, energia. Nada palpável. Os sentimentos eram frutos das árvores da imaginação e as idéias eram vapores voláteis que emanam de um centro periférico do saber. Tudo era paz, e harmonia. As pessoas se uniam por pontes de energia, gerando uma luz alva, que se tornava azulada, depois verde, e depois amarela, depois laranja, e por fim vermelha. Aí elevava-se ao infinito e juntava-se a outras luzes. Havia uma grande explosão, e então nascia um sol. Uma fonte de calor de rara beleza, onde eram incinerados os maus sentimentos e extintas idéias conturbantes. E andei por entre bosques azuis e lagos prateados. Tudo era reflexo de meus pensamentos. De repente fitei dois olhos que reluziam por entre os montes dourados de um vale. Aos poucos esses olhos energizavam um calor intenso que abraçava minha alma e impedia-me de voar. Aproximou-se. Fiquei encantado com tamanha formosura e indescritível beleza. Chegou tão perto que podia sentir seu coração emanar raios luminosos como filamentos de ternura. Olhamo-nos por tanto tempo, que vários sóis nasceram e várias estrelas se apagaram. E nosso olhar não se desviou um segundo sequer. Estendi-lhe a mão, ofereci carinho. Ela aceitou, ofereceu-me amor. E nos unimos de uma maneira tão volúvel, mas tão simples. Toquei seu rosto, sua boca. Caminhei em seus seios e seu ventre. Beijamo-nos tão apaixonadamente que nossos corpos se misturaram e éramos agora um só: eu e ela; ela e eu. E assim vagamos por todos os recantos, por todos os dias. Voamos por entre bosques e vales e flutuamos por sobre oceanos e mares. Adentramos na terra, planamos nos céus. Um cenário irreal que só existia em nossos pensamentos, pois nada era tocável; nada era concreto. Só o abstrato vivia e era real. E os anos foram passando sem que nos apercebecemos do tempo e do espaço. Só viajávamos dentro de nós mesmos, numa narcose de sentimentos perdidos e confusos; indistinguíveis. O amor cresceu, cresceu; agigantou-se de maneira tal que já não mais cabia naquele mundo. O calor ficou tão intenso que tudo a nossa volta era chama flamejante de um tom purpúrico. E num último beijo, tudo foi demais. Foi demais a força de nossa paixão e de nossos corpos. Uma grande explosão sucedeu aquele amor. Tudo tornou-se nada. Não havia mais mundo; nem pessoas. Espalhou-se pelo infinito celeste a energia de todos os amores e sentimentos. Um silêncio se fez maior então. Milhões e milhões de novas estrelas nasceram no firmamento, mas duas brilham tão intensamente que suas luzes iluminam todos os recantos do céu. E a cada dia aproximam-se mais e mais, como que atraídas por uma força mágica; uma espécie de energia cósmica que nós terrestres denominamos amor. ”

Floripa, 23. Nov. 86.

Gero.

Estas maltraçadas linhas refletem um momento qualquer da minha vida. Uma viagem surreal que talvez reflita uma tentativa de fuga de mim mesmo. Uma vontade de refugiar-me nos recantos mais remotos dos meus sentimentos. Há quase vinte e três anos esse foi o sentimento que apossou-se de meus pensamentos. Hoje ainda não está muito diferente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário